Bráulio Dias: "A lei da biodiversidade é equilibrada"

Publicado em Entrevista & Opinião no dia 15/06/2015

Bráulio Dias é o brasileiro que ocupa o principal posto quando o assunto é biodiversidade. Ele é hoje secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, tratado da Organização das Nações Unidas que estabelece normas sobre uso e proteção da diversidade biológica em mais de 160 países signatários.

Sua luta é para que o patrimônio genético e o conhecimento de povos tradicionais possam ser aproveitados e estudados, gerando benefícios a toda a população do planeta. Mas isso não pode significar biopirataria, degradação ambiental ou desrespeito aos direitos humanos e à cultura local.

Em entrevista ao blog ÉPOCA AMAZÔNIA, Dias fala sobre a aprovação do marco legal da biodiversidade, em maio deste ano. É primeira lei do Brasil que regula o acesso ao patrimônio genético nacional. Para ele, o texto final é equilibrado na medida em que respeita todos os interessados no tema.

ÉPOCA: Como o senhor avalia o marco legal da biodiversidade?
Bráulio Dias: A lei que temos agora é resultado de 16 anos de amadurecimento de uma medida provisória. Foram muitas as discussões e alterações no texto. Seu mérito foi ter conseguido ficar bem equilibrado. A lei protege os detentores dos patrimônios genéticos e das culturas tradicionais ao mesmo tempo em que facilita o acesso à pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.

A medida provisória tinha um defeito: só combatia a biopirataria e sem incentivar a regulação da pesquisa e da produção de produtos a partir dos elementos da natureza. Exigia demais e impunha uma burocracia grande. Isso gerou um clima de insegurança entre as pessoas interessadas em estudar e explorar biodiversidade. Era cheia de zonas cinzentas e várias empresas foram multadas ou suspenderam investimentos. O marco legal trouxe segurança jurídica para quem quer pesquisar ou desenvolver produtos.

ÉPOCA: A medida provisória começou a vigorar em 2001 e a sansão da lei é de maio desse ano. Não foi um tempo longo de mais para o país resolver um tema tão importante?
Dias: Sim, mas a questão do acesso à biodiversidade está em discussão em todo o mundo. Em 1992, na Rio-92 foi criada a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), que entrou em vigor em 1994 no Brasil e no mundo. Foi essa convenção que definiu claramente os compromissos internacionais sobre biodiversidade e a repartição de benefícios. Previa acordos mútuos entre usuários e provedores de patrimônio genético, além de facilitar o acesso aos recursos naturais. Mas mesmo assim, os países tiveram dificuldades para criar suas normas e pôr isso tudo em prática.

Em 2002, na Cúpula da África do Sul, países como Brasil, México, índia e Malásia lideraram a reivindicação de um acordo internacional que criasse regras sobre o acesso ao patrimônio genético. Isso resultou no Protocolo de Nagoya, que só entrou em vigor em outubro 2014. O protocolo cria incentivos para a conservação da biodiversidade, para o uso sustentável dos recursos e a repartição de benefícios.

ÉPOCA: Antes de 1992, como o Brasil cuidava de seu patrimônio genético?
Dias:
Sabemos que a biopirataria acontece há muito tempo no Brasil. No final do século XIX, sementes de árvores seringueiras foram roubadas e levadas da Amazônia para a Inglaterra. Era uma espécie que pertencia ao patrimônio brasileiro e que, naquele momento, rendia bons lucros ao país. Essas sementes foram plantadas nas colônias inglesas no sudeste asiático e quebraram nosso mercado. O Brasil deixou de ser a única nação com produção de borracha. Na Ásia, fizeram um sistema de monocultura, que rendia bem mais do que a exploração de seringais no meio da floresta.

Somente nos anos 1930 criou-se uma norma para a exploração do patrimônio genético brasileiro. Para um pesquisador começar seus estudos, ele pedia autorização a um comitê intergovernamental, que organizava expedições para a floresta onde as coletas de plantas seriam feitas, ou onde eles conversariam com indígenas a fim de conhecer suas tradições. Nos anos 1960, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) passou a cuidar disso e assim ficou até os anos 90. Mas as denúncias de biopirataria não pararam.

ÉPOCA: Qual item da lei o senhor considera o maior avanço?
Dias:
O Protocolo Comunitário. A lei reconhece que os grupos populacionais podem fazer um documento em que explicitam as condições para que sua cultura ou o patrimônio genético da área que habitam sejam explorados economicamente ou para fins de pesquisa. É um documento legal e é uma forma de dar autonomia para as comunidades que se organizam e decidem juntas o futuro de sua cultura.

ÉPOCA: O que a lei pode trazer de benefícios para o país?
Dias:
Essa lei pode impulsionar o reconhecimento do valor da biodiversidade. E isso deve estimular mais as ações de preservação ambiental. A repartição de benefícios é um bom instrumento para isso, já que o dinheiro dos lucros obtidos com produtos feito de elementos da floresta podem ser investidos em ações de preservação ou para melhorar a vida das comunidades tradicionais.

Os povos que vivem em meio à floresta precisam de incentivos para mantê-la de pé. Se não têm benefícios pela conservação e manutenção da biodiversidade, porque vão se preocupar em cuidar do meio ambiente? E eles também precisam melhorar de vida, prosperar em sua situação econômica. A repartição de benefícios é o que pode mudar a realidade desses povos.

Fonte: Época

Voltar